No Nível do Plano

Os fichamentos são trabalhos acadêmicos e podem conter erros.

Ao visualizarmos uma cena, temos um conjunto de elementos formando-a, desde cenário até os atores em suas respectivas posições, tudo isso formando um quadro. Nós, então, diferentemente do que acontecia no Teatro, em que ficaríamos a distância assistindo a uma cena de um único ponto de vista, temos agora a possibilidade de nos inserirmos dentro desse quadro tridimensionalmente e escolhermos de que ponto gostaríamos de assistir aquela cena. Pode-se escolher se ficará sentado ao assistir a cena, ou se ficará em pé, ou se ficará em constante movimento em volta dos atores, ou se só utilizará a cabeça para olhar de um lado a outro. Pode-se definir a intensidade da luz sobre os atores, se você consegue enxergar um ou dois pontos ao mesmo tempo dentro de uma cena, qual música acompanhará a cena, e por que.

Todos esses elementos são as opções que se tem para construir o que chamamos de Plano, e cada uma destas opções é o que será trabalhado a seguir.

Ponto de vista

O ponto de vista é, provavelmente, a escolha mais importante do plano. É quando se decide “de onde” e como a cena será filmada, por exemplo, se posiciona-se a câmera no lugar da cabeça da pessoa (subjetiva), ou sobre a cabeça (divino), ou no teto (câmera de vigilância) ou no teto em movimento (inseto). É decidido o ângulo e se haverá ou não movimentação.

A decisão do ponto de vista influencia principalmente nas conotações que a cena poderá vir a ter, no ponto de vista ético, ideológico e moral. É, portanto, uma seleção de informações que se faz.

Pode-se definir o observador da cena como sendo o próprio personagem, ou criando-se uma testemunha da cena. Muitas vezes, pode-se utilizar de ambos os pontos de vista intercalando planos (fazendo uso, assim, do plano-contraplano, muito utilizado no Cinema).

Considerando o aspecto tridimensional de uma cena, o operador de câmera tem três decisões a fazer: definir o comprimento do eixo da objetiva em sua lateralidade e verticalidade; regular a frontalidade; paralelismo.

O comprimento do eixo da objetiva

Se trata basicamente da distância que existe entre o observador e o assunto, definido por nomes para cada plano como close-up, plano americano, primeiro plano etc., embora não considere as questões de perspectiva e de profundidade de campo, se delimitando a trabalhar a questão do corpo humano e sua visualização pela câmera, o que torna um processo trabalhoso considerando o alto nível de movimentação que da pelos atores.

Existem três planos essenciais para uma filmagem. São eles:

– Plano médio: Enquadra o corpo inteiro de um personagem deixando um espaço (ar) até o limite do quadro.

– Close-up: isola-se uma parte do corpo em função de destacar ou acentuar algo. Muito utilizado por Hitchcock e Scorsese para destacar um objeto de importância na história, pelos western spaguetti focalizando os olhos dos personagens, sendo o principal recurso utilizado pelos filmes pornográficos em geral.

– Plano geral: enquadra-se o personagem e todo o ambiente a sua volta.

Na lateralidade 

– Centralização: pode-se posicionar o personagem no centro horizontal da imagem, aspecto que pode ser utilizado para denotar uma característica de equilíbrio ao personagem, embora muitas vezes tal posicionamento possa passar desapercebido pelo espectador por seu aspecto de naturalidade.

– Descentralização: pode ser feito utilizando a regra dos três terços conhecida na pintura, posicionando o personagem nos dois eixos que dividem a imagem em três, horizontal ou verticalmente, ou ambos ao mesmo tempo. Também é possível descentralizar o personagem seguindo o padrão de equilíbrio de massas, quando o espaço deixado pelo personagem descentralizado é ocupado por outros personagens ou elementos da cena. Utiliza-se a descentralização sem o equilíbrio de massas para ilustrar um personagem desequilibrado ou em conturbação.

Todos estes aspectos servem apenas para o caso de um sujeito único sobre um fundo homogêneo. Em geral, o enquadramento é um pouco mais delicado por ser tratar de múltiplas figuras e elementos em movimento.

Na verticalidade

Este aspecto não é tratado quando o personagem está centralizado, entretanto, em outros casos, a verticalidade se dá pelo ângulo do eixo da objetiva. Se o eixo desce na direção do sujeito, a câmera está alta; se o eixo sobe, a câmera está baixa. Isso não significa que magnitude ou supressão do sujeito se dê pela verticalidade (diferente do que pensavam os cineastas durante o Cinema Clássico).

Quando o ângulo entre o plano do chão e o eixo da objetiva se aproxima de 90 graus, fala-se de “câmera alta total” ou “câmera baixa total”.

A frontalidade do enquadramento

Os primeiros operadores de câmera surgiram da fotografia e, então, era muito solicitado o enquadramento frontal da pessoa, que acabou migrando para o Cinema durante seu início.

Muitos filmes utilizavam de um único ângulo para contar uma situação o momento de ação, posteriormente sendo percebido que era mais interessante mostrar a mesma ação de ângulos diferentes, caso dos filmes atuais.

O paralelismo

Ao se situar numa cena, o personagem se encontra sobre uma superfície dotada de linhas horizontais e verticais. O paralelismo se da pela nivelação destas linhas na imagem capturada pela câmera, ou seja, nivelar a linha do horizonte de uma cena. Para isso, foi utilizado nivelador com bolhas, embora a descentralização do paralelismo também tenha sido utilizado para ilustrar personagens embriagados ou para causar desconforto em uma cena, entre outros casos.

Distância focal e profundidade de campo

Ambos definem a quantidade de objetos que estarão presentes dentro do quadro, em sua lateralidade, definido pela distância focal, e no eixo da objetiva, estabelecido pela profundidade de campo.

A distância focal é explanada pelo autor: “tudo acontece como se observássemos de perfil alguém abrindo os braços: se ele os abrir muito, ocupará menos espaço do que se os tiver estendido diante dele. Quando a distância focal é curta, os braços ficam bem abertos, formando um ângulo que permite acolher muitos objetos, como se estivessem dispostos a dar abrigo a muitas pessoas próximas – é a família das objetivas grande-angulares” (p. 29).

A profundidade de campo indica a nitidez no sentido do eixo da objetiva. É ilustrado pelo olhar do ser humano que, ao focar em um objeto próximo, por exemplo, os demais objetos de seu campo de visão se tornam borrados. Entretanto, essa semelhança não é absoluta, considerando que o olhar do ser humano contém outro elemento: a visão periférica, que não pode ser reproduzida pela câmera. Ou seja, para recorrer a esse efeito, é preciso utilizar trucagens para simular um desfoco nas laterais, o que não é muito comum no Cinema.

Nos primórdios do Cinema, era muito comum o uso de uma profundidade de campo máxima.

Já a partir da Primeira Guerra Mundial começaram a surgir câmeras com focos duplos, ou seja, mantinham dois assuntos distintos em foco ao mesmo tempo.

Em seguida surgem as gruas, os dollies (plataformas sobre trilhos sustentando braços articulados) dando um novo poder de movimentação aos planos.

 Os movimentos da câmera

É dividido entre dois tipos de movimento baseando-se no corpo humano: panorâmica (quando move-se apenas a cabeça para olhar em direções opostas) e travelling (quando o corpo inteiro se move em direção ao que se quer enxergar ou detalhar). Importante não confundir travelling com zoom. Essa diferença pode ser ilustrada por uma pessoa que quer aproximar sua visão de um assunto. Para isso, ela pode tanto utilizar de um binóculo, ou seja, ela aproximará sua visão sem sair do lugar (zoom-in) ou ela pode se aproximar do assunto indo em direção a ele (travelling).

Os movimentos de câmera são o último dos aspectos que caracterizam o plano, e podem ser divididas entre gerações de máquinas dispostas a trabalhar a fluidez de movimento, a manejabilidade, e ambos ao mesmo tempo.

Fluidez

Os primeiros travellings datam de 1896, quando os irmãos Lumière começam a embarcar sua câmera em navios, trens e elevadores poucas semanas após ter sido desenvolvida. Porém, antes disso, foram desenvolvidas formas de se manter o enquadramento quando o assunto saía do mesmo, como os tripés com cabeça móvel para executar os movimentos panorâmicos e os carrinhos montados sobre trilhos, seguindo o modelo do trem, para os travellings.

Manejabilidade

Depois da Segunda Guerra Mundial, as câmeras em geral ficaram mais leves, e a filmagem com ela nos ombros ficou mais fácil, o que foi explorado pelo Cinema Livre britânico e pela nouvelle vague.

São desenvolvidos equipamentos como:

– Caméflex, de Michel Coutant, em 1948;

– Paluche, da Aäton, uma mini-câmera de vídeo;

– Travelling de Durin e Chapron, com trilhos como o dos vagões, dando a possibilidade de mover-se na diagonal, em 1946;

– e Hélivision, de Albert Lamorisse, uma câmera fixada sobre helicóptero.

Fluidez e manejabilidade juntos

A partir dos anos 70, surgem máquinas que separam o operador de sua câmera, iniciado em 1972 pela Louma, de Jean-Marie Lavalou e Alain Masseron, sendo evoluído em 1975 com a chegada de uma grua montada sobre um carrinho carregando na extremidade de um braço uma câmera sobre um eixo móvel, comandado a distância.

Em 1972 também é criada a steadicam, de Garret Brown.

É explorada então a miniaturização de câmeras ainda menores que a Paluche, podendo ser acopladas a modelos reduzidos de helicópteros.

 Luzes e Cores

Estes são dois parâmetros importantes principalmente na distinção entre o resultado atingido na televisão e o do Cinema. Certamente, uma imagem gravada para a televisão terá um aspecto menos vivo e realista do que aquele encontrado em um filme gravado em película para o Cinema. As nuances de cor no Cinema são mais numerosas, assim como o contraste é muito mais forte.

As cores nos filmes em película podem sofrer alterações com o tempo (caso de filmes da MGM que eram gravados em Metrocolor, e hoje refletem cores apaziguadas), diferente de quando se firma um filme em uma base numérica, como o DVD em que as cores permanecerão as mesmas por serem codificadas.

A luz compreende outro aspecto importante do resultado final, com sua direção e intensidade servindo para atenuar ou destacar uma característica da cena ou do personagem, mostrando-se um reflexo de sua psicologia.

 As combinações audiovisuais

Pode-se partir do pressuposto de que o ser humano é muito mais visual do que sonoro. Portanto, a trilha sonora é conhecida por ser a “mal-amada” das leituras de filmes. Apesar disso, no Cinema, estes dois universos se complementam, não sendo possível eliminar a participação do áudio sobre a imagem expressada.

Podemos, então, dissecar a matéria sonora isolando-a em três partes: ruídos, música e palavras. A partir disso, pode-se explorar o que chamamos de combinações audiovisuais. É importante ressaltar que o som não pode remeter a qualquer outra coisa senão a si próprio ou à origem e motivo de ser.

 Ruído

Os ruídos são aquilo que o próprio nome diz: são o som produzido pelos elementos inerentes à cena, por sua colisão, choque ou por puro reflexo biológico do elemento que o produz, como uma vaca que muge.

Principalmente no Cinema Clássico, os ruídos remetem à sua fonte e constroem grande parte do naturalismo. Eles ajudam o espectador a firmar a realidade daquilo que se vê, e posicioná-lo auditivamente no contexto gerado inicialmente pela imagem. Ou pode ser construído o inverso: um ruído pode influenciar o espectador a gerar hipóteses acerca da imagem que virá a seguir. Pode também servir para enfatizar uma ação em uma cena, desde uma porta que bate até uma explosão.

São um recurso que pode servir tanto para constituir a verossimilhança de uma ação como para aludir.

 Música

Independentemente de prévio conhecimento acerca de gêneros, acordes e instrumentos, a música “pode fazer efeito por si mesma, para nos encantar ou nos causar arrepios” (p. 40), e sua presença em uma cena dificilmente é neutra. Seu uso pode servir para causar estranheza; um instrumento solo pode nos remeter à solidão.

Um fator influencia muito no resultado de uma música em uma cena: o contexto. Músicas iguais em filmes diferentes não necessariamente (quase nunca) evocarão as mesmas sensações, devido à contextualização gerada por cada filme individualmente, e a familiaridade com a linguagem musical utilizada também influenciará na percepção que o espectador virá a ter com o todo de um filme.

As palavras

A palavra pronunciada constitui muito do que poderemos assimilar acerca de um filme. Após a inserção do diálogo nos filmes, a sua maioria desde é então tem seu desenvolvimento explicado em muitos dos diálogos, o que torna “a palavra pronunciada” outro elemento a ser trabalhado em um filme, como vozes sussurradas que intensificam uma declaração de amor, ou uma voz grave murmurada que ajuda a construir a personalidade de um homem de idade. Dessa forma, uma frase impecavelmente pronunciada também pode remeter a um distanciamento.

Desta forma, as palavras e a execução das mesmas são um elemento importante a se trabalhar em uma cena, podendo servir, em sua simplicidade, para informar ou, ao explorá-la, para simbolizar e constituir características do próprio personagem ou muitas vezes do ambiente que os envolve.

 Considerações

O texto é escrito em uma linguagem de fácil compreensão, o que intensifica o conteúdo explanado. Não apenas separa e explica cada elemento de uma composição, como abre um leque de possibilidades de construção, ilustrando os porquês de cada escolha a ser feita, e em que elas influenciam no resultado final obtido. Fazendo referências fílmicas para posterior conferência, o que implica em um ensinamento multidisciplinar, nos dá meios e recursos para uma leitura dinâmica de filmes de diferentes épocas.

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